sexta-feira, 29 de julho de 2016

A Missão Integral e a Teologia da Missão Integral

Como Missão Integral da Igreja comumente se entende a ação social, ou atividade social como parte do dever cristão, o que não se configura o mesmo que evangelização, mais uma complementaridade dela. Assim está expresso no artigo 5 do Pacto de Lausanne (de 1974): Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão. Sim, parte do nosso dever cristão porque, sendo o amor a essência do cristianismo, ele será expresso em todos os seus termos na humanidade. Conforme está no Pacto, ... toda pessoa... possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Isso é a Missão Integral que foi defendida em Lausanne por Billy Graham, John Stott, Francis Schaeffer, Samuel Escobar e René Padilla, dentre outros líderes cristãos.
Mas essa Missão não se reduz ao termo “social” no que concerne às condições materiais das pessoas. Um ponto do Pacto não muito explorado quando se fala em “integralidade” é o 10. Ali se insere outro dado da Missão Integral que alcança a cultura: A cultura deve sempre ser julgada e provada pelas Escrituras. Porque o homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e em bondade; porque ele experimentou a queda, toda a sua cultura está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca. O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, mas avalia todas elas segundo o seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores morais absolutos, em todas as culturas. Nesse ponto, Francis Schaeffer concentrou boa parte de seu esforço intelectual para alcançar as pessoas com a mensagem do evangelho. Em sua tese apresentada no Congresso, ele criticou posturas que iam desde ao equívoco da igreja confundir padrões da classe média com os absolutos da Palavra de Deus, passando pelo relativismo moral da sociedade presente à necessidade de haver beleza na maneira como os cristãos tratam uns aos outros. A síntese daquela tese era “Sendo o Cristianismo, como a Bíblia afirma, a verdade, ele tem de atingir cada aspecto da vida”. Isso é Missão Integral. Na assertiva repetida frequentemente: “o Evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens”.
Por outro lado, a Teologia da Missão Integral (TMI), talvez tomando por empréstimo expressões do artigo 5 do Pacto de Lausanne que diz A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam, se aproxima em seus discursos e práticas de uma vertente política marxista (é em Marx que encontramos a expressão “alienação política”) e, por tabela, da Teologia da Libertação (TL) do católico excomungado Leonardo Boff. Vejamos:
·         A Teologia da Libertação tem base no discurso marxista. Como exemplo, basta verificar os escritos de Boff, sua simpatia e militância com a política assistencialista do PT, e os apontamentos que Ratzinger fez dessa vertente teológica classificando-a como de influência marxista.
·         A Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB) adotou oficialmente a Teologia da Libertação em seu discurso teológico e atividade pastoral, bem como o próprio ecumenismo.
·         O pastor luterano brasileiro Walter Altmann, moderador do Conselho Mundial de Igrejas, autor do livro Lutero e Libertação – uma releitura de Lutero em perspectiva latino-americana (1992), busca nessa obra um equilíbrio hermenêutico entre o “discurso confessional e a práxis libertadora” trabalhando conceitos da teologia tradicional com uma hermenêutica que se volta para a “teologia dos oprimidos”.
·         Tanto o bispo anglicano Robinson Cavalcanti como o pastor Ariovaldo Ramos declararam que a TMI é uma versão evangélica ou uma variante protestante da TL. A propósito, Ariovaldo saiu em defesa de Dilma, Lula e o PT por ocasião das investigações da Operação Lava Jato e é conhecido por uma postura progressista que se alinha ao pensamento de esquerda, tendo demonstrado simpatia também por Hugo Chávez, ditador venezuelano.

Enquanto a ênfase da Teologia da Libertação está numa igreja sem hierarquia (podendo recusar até a autoridade divina numa radicalização desse pressuposto), na missão de ir aos “excluídos”, no ensino de que comunhão é partilha (sem propriedade privada) e na busca por libertação das estruturas do pecado social (caricaturado no capitalismo), a contrapartida da mensagem completa (ou integral como queiram) do evangelho está na autoridade de Deus, na missão de ensinar todas as nações (Mt 28.19), no direito individual das pessoas (inclusive à propriedade) e na libertação de todo o pecado com vistas à salvação e vida eterna (Jo 5.24). Assim, parece não ser salutar a própria identificação de uma “missão integral” da igreja com essa “teologia da libertação”. Mas, se o fazem, é porque há certa semelhança.

A meu ver, o cuidado com os pobres e a atividade social da igreja não deve ser confundido com uma “Teologia” que supervaloriza os versículos bíblicos que conclamam um olhar para os pobres e se alinha à defesa de uma ideologia de esquerda. Não foi dessa forma seletiva que atuou William Wilberforce e Abraham Kuyper. Ao contrário, “o Evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens” indica todas as dimensões do ser, seja material, física, social, intelectual, cultural, política, artística, etc. Um Cristianismo Relevante é aquele que realça todas as necessidades do ser, pois Cristo exige a posse de todos os domínios da existência humana (como disse Kuyper), e o Cristianismo é a verdade sobre o todo da realidade, não somente sobre assuntos religiosos (como disse Schaeffer). Sou adepto da Missão Integral, mas não dessa “Teologia”. Afinal, no texto sagrado encontramos tanto “a fé sem obras é morta” (Tg 2.26) como “nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra de Deus” (Lc 4.4). É isso.